sábado, 10 de maio de 2008

Punidas por abortar


A revista Época desta semana mostra que quase três mil brasileiras estão na mira da Justiça por ter praticado o aborto. Dessas 25, já estão cumprindo pena. O maior inquérito do país sobre a prática ilegal levanta polêmica: que punição elas devem ter? A reportagem ainda mostra como mulheres mais pobres são tratadas nas clínicas de aborto clandestinas.
Em Campo Grande (MS) cinco mulheres foram acusadas de cometer aborto e submeteram-se à pena alternativa de prestação de serviços à comunidade. Ao todo, são 2.800 fichas médicas nas mãos do juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Mato Grosso do Sul, Aloísio Pereira. Também é a primeira vez que mulheres são acusadas por aborto sem um flagrante policial. A apreensão das fichas aconteceu em 13 de abril de 2007, ao ser desmantelada uma clínica de planejamento familiar, no centro de Campo Grande, onde aconteceriam os abortos. O texto diz que a rotina de uma delas é constrangedora, já que tem que atrasar-se no trabalho por ter que prestar a pena alternativa antes do expediente, o que a obriga a dar desculpas ao chefe. A médica acusada de fazer os abortos clandestinos, a anestesista Neide Mota Machado, 54, se diz defensora dos direitos da mulher e nega ter feitos os abortos clandestinos. Na sua clínica, (que na entrada tinha uma faixa com os dizeres ´Planejamento Familiar`) as mais pobres eram tratadas como ´banguelas`, uma referência às fichas das mulheres de baixa renda.
Por serem mais pobres e pagar menos pelo procedimento (cerca de R$1 mil) também só tomavam remédios abortivos, como o Cytotec, e eram orientadas a procurar um hospital público quando começassem a ter hemorragias.
A pena a qual foram submetidas também é questionada. O juiz Aluízio Pereira dos Santos afirma que a decisão foi proposital, para fazê-las refletir sobre a maternidade. ´Mandar mulheres que abortam recentemente trabalhar com crianças é uma torura moral e afetiva`, diz a antropóloga Debora Diniz, diretora de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, em Brasília e defensora da discriminalização do aborto.
O Brasil tem mais de 1 milhão de abortos clandestinos por ano, segundo estimativa da ONG Ipas Brasil, ligada à saúde reprodutiva. Semana passada, a Câmara dos Deputados votou um dos 17 projetos de lei sobre o tema. O projeto, de 1991, propunha a revogação do artigo que penaliza as mulheres, mas o relator, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) mudou o texto para manter a lei como está.
O assunto, porém, passou em branco pela nossa imprensa.
Fonte: Época n° 521 (12/05/2008) - Foto reproduzida da revista