segunda-feira, 12 de maio de 2008

Dom Juan e os homens

O que dizer da relação de Don Juan, como mito da sedução, com os homens? Há um tipo muito particular de Don Juan que só seduz mulheres comprometidas com homens. Ou seja, mulheres que, mesmo assumindo o papel feminino em relação amorosa com outras mulheres, não interessam.
Tal qual o Don Juan sedutor de mulheres, o tipo que procura mulheres vinculadas a outros homens o faz insistentemente e não está interessado no feminino. O objeto de desejo de conquista, neste caso, é o homem, não a mulher.
Esse tipo de Don Juan passa a vida sabotando um desejo homossexual inconscientemente reprimido. Tal repressão se transforma em agressividade na relação com as mulheres. No papel de "macho", o tom sádico aparece em gestos violentos, em que o beijo vira mordida, e os toques carinhosos marcas de garras. A volubilidade, entendida como virilidade em certas culturas, impede o aprofundamento da relação. E daí o estigma de sedutor de Don Juan.
A inquestionável masculinidade, no entanto, mascara a suscetibilidade homofóbica que sequer permite a aproximação, ainda que por amizade, de homens homossexuais. Don Juan teme a contaminação do desejo explicitado de um homem por outro homem, que pode ser ele mesmo. A eterna busca do homem, por meio da relação com mulheres, remete à figura paterna.
O vínculo do bebê com a mãe se constrói por necessidade de sobrevivência (o seio que dá leite), que depois torna-se afetivo. Já o vínculo com o pai é intermediado pela mãe, e por outro tipo de necessidade. Pode-se dizer, necessidade de ser no mundo, na cultura, uma vez que o pai ou sua representação (figura paterna) interdita a fantasia do menino de que a mãe é toda sua, numa relação simbiótica em que nada falta.
O pai ensina que a mãe é sua esposa, e o menino é filho de ambos. Se este pai, mesmo existente e presente, for inacessível ao investimento afetivo do filho, a busca do vínculo, o desejo de conquista do masculino, pode perdurar por toda a vida. Porém, se a figura paterna for receptiva ao investimento afetivo da criança, o vínculo se dará positivamente, e esta fase da evolução emocional do menino estará completada.
A figura paterna pode ser um parente, o avô, um tio, o namorado da mãe, ou ainda (objetos) outras pessoas relacionadas às atividades da criança fora do círculo da relação mãe-filho, que vão aparecendo na socialização na escola, no lazer, no aprendizado da religião, nos meios de cultura, enfim.

Viviane Mottin é jornalista e psicanalista