sexta-feira, 9 de maio de 2008

Dom Juan e as mulheres


Em tempos de tantos Don Juan e de tão poucos amores de verdade, vale revisitar esta personagem literária que tornou-se o mito do sedutor por excelência. E, para isso, nada melhor que atualizá-lo, revendo Don Juan De Marco, filme de Francis Ford Coppola. Quem é o Don Juan (Johnny Deep), de Coppola? Um paciente psiquiátrico que, ao delirar a perda da mulher que considerava o grande amor de sua vida, ameaça atirar-se do alto de um prédio. É socorrido pelo psiquiatra Jack Mickller (Marlon Brando), que o interna e passa a escutá-lo.
Don Juan, como se sabe, seduz. Mas não conquista. Aquele Don Juan, de Coppola, não perde o grande amor da sua vida. Na verdade, sofre porque a única conquista que lhe interessa é um amor impossível: a moça do outdoor, a quem devota o seu amor, e portanto é rejeitado da pior forma possível, que é a indiferença. Ele a conhece e reconhece, mas para ela, ele não existe. Aquela moça não pode ser seduzida e muito menos conquistada.
Quem, na vida de Don Juan nunca pôde ser seduzida, a não ser na fantasia, e por tramas do destino não pôde ser conquistada? Por trás do amor platônico pela moça do outdoor há outra figura feminina da vida de Don Juan. O verdadeiro amor, o primeiro, como acontece com todos os homens. A mãe. Esta não pode ser seduzida, pois que há uma interdição moral que vem dela mesma. Mas, normalmente, quer conquistar e ser conquistada.
Don Juan não seduz a mãe, nem teve a chance de conquistá-la. A mãe o abandona, quando criança. Ou seja, a mãe só existe em outdoor, distante, indiferente. É linda, é grande, é promessa. Simbolicamente, toma toda a vida de Don Juan.
A reedição do abandono acompanhará Don Juan por toda a sua vida na relação com as mulheres. Em cada nova busca de uma mulher para seduzir, na verdade Don Juan está procurando o encontro primordial com a sua mãe. O abandono das mulheres seduzidas ocorre porque a conquista está interditada, já que não foi consumada no amor primário.
Don Juan não realiza o amor pela mãe, o que o condena a fantasiar na vida adulta o que poderia ser amorosamente. Já o psiquiatra escuta, encantado, as aventuras de Don Juan, fantasiando os episódios de sedução e colocando a sua única mulher, a esposa, no lugar das várias personagens trazidas pelo paciente. Descobre, então, que vem deixando sua mulher em segundo plano - abandono?
Jack Mickller volta-se para sua mulher, recriando uma relação apaixonada, adulta e madura, em que a conquista se evidencia pelo amor às muitas mulheres que há em uma só. Amor que integra, acolhe e ampara, em contraponto ao que despedaça nos outros o que está estilhaçado em si. Assim, Jack Mickller recria o mito, como um Don Juan conquistador, ao contrário do solitário e empobrecido Don Juan sedutor.

Viviane Mottin é jornalista e psicanalista.